sexta-feira, 1 de maio de 2020

"Ponto Cego": O Conceito






O "Ponto Cego"


Embora saibamos que o Dead Fish é uma banda incrível que nos trouxe retratos de várias realidades, talvez, nunca um disco tenha sido tão preciso nesse aspecto. É um retrato real do que vivenciamos na política e na sociedade brasileira no momento presente.


Antes de adentramos o "letra a letra" do disco,  é necessário compreender que ele foi escrito sob uma abordagem. A aplicação conceitual do álbum se dá através do título do disco “Ponto Cego”, conceito que está presente em todas as músicas. Apesar de ser um álbum mais literal, existe uma subjetividade na sua essência, justamente por não ter uma música com o nome “Ponto Cego”, e sim por este tema estar inserido em todas as canções do disco. O conceito, refere-se, sobretudo, de uma realidade de fora, com uma visão de dentro.

Trata-se de uma realidade fátidica do momento, vivenciado de dentro de uma bolha. A bolha do "cidadão médio" brasileiro, habitante dos bairros nobres, que acenam para os outros das respectivas janelas de seus prédios. Como um microcosmo que faz parte de um todo, falando do macrocosmo (mundo de fora). De um contexto individual, para um contexto coletivo. E o quão essa mesma classe média respaldou esse novo discurso ridículo, violento e neoliberal, além de racista, xenófobo, misógeno, e classista, a ponto de criar uma realidade irreconciliável.

Deste modo temos uma fotografia de hoje, do "aqui agora", que vivemos no Brasil, a nível político, e social. Um presidente que se elegeu através de um golpe de estado, e que promoveu a possibilidade dessas mesmas pessoas que o elegeram,  se sentirem respaldadas para vomitar um discurso facistóide, conservador, mesquinho e imbecil.  "Os 'cidadãos de bem' ancorados pelo grande líder", assim como nos governos facistas e nazistas.


Apesar das letras do álbum adotarem diferentes pontos, em alguns momentos, o álbum chega a se repetir,  e isso é positivo, pois enfatiza o tema bordado. Canções como "Sangue nas Mãos", "Não Termina Assim", "Sombras da Caverna" e "Doutrina do Choque", parecem se complementar. E de fato, se complementam, assim como as demais. É uma reprodução do real.


Temos também o conceito de "pós-verdade" agregado, que é um discurso que se baseia principalmente na crença, e não propriamente na objetividade dos fatos. Assim temos um "Cidadão Médio", com carapuça vestida, permissividade de discursos absurdos, e cegos pelo seu líder. Estes, respaldam suas próprias realidades, naquilo que eles querem ver, e não necessariamente no que é verdade.


Baseando-se no senso comum, e, paradoxalmente, em algo mais profundo e abrangente, podemos trazer à tona ainda, dois elementos que se definem "Ponto Cego". 
No nosso cotidiano temos o espelho do carro: a realidade está ali, diante do espelho, mas há algo que não enxergamos, normalmente o que se distancia das nossas crenças pessoais. Do mesmo modo, e de maneira mais subjetiva, temos ainda o "Ponto Cego" de Lacan (psicanalista francês): o inconsciente em Lacan é o social, a vida cotidiana no âmbito de tudo que nos cerca, especialmente os elementos negativos da vida social, que fica internalizada em nós.

Assim temos vários sentidos entrelaçados ao "Ponto Cego", e assim Rodrigo Lima e Álvaro Dutra deram vida a esta bela obra lírica (aqui considerando a questão textual, somente). 

P.S: Teremos o "Letra a Letra" nas postagens subsequentes.


5 comentários:

  1. É isso aí mesmo, retrato do Brasil dos últimos anos, chegando no buraco que estamos! Quando vejo os loucos saindo em carreata agora, só vem na cabeça a música das SUV's. Cada letra vai se completando ou se repetindo, como vc colocou, é um loop necessário porque a tragédia é grande demais! Não dá pra aceitar que chegou nesse ponto (cego)!!!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. O Rodrigo sempre possuiu engajamento nas questões políticas, desde o Sirva-se. Quando ele denunciava a ideia de golpe desde 2015, muitos não gostavam daquele posicionamento.

    Alguns por alienação outros que ainda não enxergavam toda a desgraça que estava por vir.

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  4. Álbum muito necessário nos dias atuais, belo texto

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